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Crédito de ICMS e o Adquirente de boa-fé – Aplicação da Súmula 509 do STJ

Diversas empresas foram autuadas por se utilizarem de crédito de ICMS, devidamente destacado em nota fiscal de entrada, sob o argumento que as empresas que venderam os produtos foram declaradas inidôneas.

A utilização do crédito de ICMS está previso no art. 23 da Lei Complementar nº 87/1996, conforme abaixo.

Art. 23 O direito de crédito, para efeito de compensação com débito do imposto, reconhecido ao estabelecimento que tenha recebido as mercadorias ou para o qual tenham sido prestados os serviços, está condicionado à idoneidade da documentação e, se for o caso, à escrituração nos prazos e condições estabelecidos na legislação.

O auto de infração da Fazenda do Estado leva em consideração que o creditamento do ICMS “está condicionado à idoneidade da documentação”.

Porém, a decisão de idoneidade da empresa vendedora do produto, geralmente, é posterior à relação comercial, retroagindo os efeitos da decisão para invalidar todo e qualquer crédito.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o REsp 1.148.444/MG, submetido ao regime de repercussão geral, fixou parâmetros para análise da idoneidade do adquirente (Adquirente de boa-fé) do produto, para que esse pudesse se utilizar do crédito de ICMS, restando assim ementado o referido julgado:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. CRÉDITOS DE ICMS. APROVEITAMENTO (PRINCÍPIO DA NÃO – CUMULATIVIDADE). FISCAIS POSTERIORMENTE DECLARADAS INIDÔNEAS.ADQUIRENTE DE BOA-FÉ.

    1. O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação.
    2. A responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no momento da celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à assunção da regularidade do alienante, cuja verificação de idoneidade incumbe ao Fisco, razão pela qual não incide, à espécie, o artigo 136, do CTN, segundo o qual “salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato” (norma aplicável, in casu, ao alienante).
    3. In casu , o Tribunal de origem consignou que: “(…) os demais atos de declaração de inidoneidade foram publicados após a realização das operações (f. 272/282), sendo que as notas fiscais declaradas inidôneas têm aparência de regularidade, havendo o destaque do ICMS devido, tendo sido escrituradas no livro de registro de entradas (f. 35/162). No que toca à prova do pagamento, há, nos autos, comprovantes de pagamento às empresas cujas notas fiscais foram declaradas inidôneas (f. 163, 182, 183, 191, 204), sendo a matéria incontroversa, como admite o fisco e entende o Conselho de Contribuintes.”
    4. A boa-fé do adquirente em relação às notas fiscais declaradas inidôneas após a celebração do negócio jurídico (o qual fora efetivamente realizado), uma vez caracterizada, legitima o aproveitamento dos créditos de ICMS.
    5. O óbice da Súmula 7/STJ não incide à espécie, uma vez que a insurgência especial fazendária reside na tese de que o reconhecimento, na seara administrativa, da inidoneidade das notas fiscais opera efeitos ex tunc, o que afastaria a boa-fé do terceiro adquirente, máxime tendo em vista o teor do artigo 136, do CTN.
    6. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (STJ – RECURSO ESPECIAL: REsp 1148444 MG 2009/0014382-6. Min. Luiz Fux).”
    7. STJ, Tema nº 272 – Questão submetida a julgamento: Questiona-se a higidez do aproveitamento de crédito de ICMS, realizado pelo adquirente de boa-fé, no que pertine às operações de circulação de mercadorias cujas notas fiscais (emitidas pela empresa vendedora) tenham sido, posteriormente, declaradas inidôneas, à luz do disposto no artigo 23, da Lei Complementar 87/96.
    8. Tese Firmada: O comerciante de boa-fé que adquire mercadoria, cuja nota fiscal (emitida pela empresa vendedora) posteriormente seja declarada inidônea, pode engendrar o aproveitamento do crédito do ICMS pelo princípio da não-cumulatividade, uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada, porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação.

(STJ, Tema nº 272, publicada em 13/09/2019)

Para que o adquirente possa comprovar sua boa-fé, o REsp 1.148.444/MG fixou 3 (três) pontos basilares, quais sejam:

  • A responsabilidade do adquirente de boa-fé reside na exigência, no momento da celebração do negócio jurídico, da documentação pertinente à assunção da regularidade do alienante. O comerciante deverá comprovar que foi diligente na operação, realizando consultas sobre seu fornecedor, principalmente o Sintegra, comprovando que está naquele momento apto à emissão da nota fiscal
  • uma vez demonstrada a veracidade da compra e venda efetuada. Comprovar a operação comercial, através de pedidos realizados, notas fiscais, livros contábeis, boletos, comprovantes de pagamentos, dentre outros.
  • (…) posteriormente seja declarada inidônea, (…), porquanto o ato declaratório da inidoneidade somente produz efeitos a partir de sua publicação A declaração de inidoneidade do fornecedor posterior à relação comercial, visto que não teria condão de produzir efeitos retroativos.

Mesmo apresentando todos os documentos (Pedidos, nota fiscal, comprovantes de pagamento e Sintegra dos fornecedores) ainda há o constrangimento do contribuinte no aproveitamento do crédito de icms, direito este previsto constitucionalmente.

Ainda que houvesse qualquer divergência nos documentos, não poderia haver qualquer vedação ao creditamento, pois qualquer irregularidade cometida na escrituração fiscal, fica o contribuinte sujeito tão somente à penalidade formal, pelo descumprimento de eventual obrigação acessória, como previsto no art. 113, § 2º do CTN, e não vedação à utilização do crédito.

Sendo obrigação acessória, no dizer de Paulo de Barro Carvalho, “dever instrumental ou acessório, instituível por lei ordinária, no caso de descumprimento sujeita-se a sanção legal que não por ir ao ponto de constranger um direito outorgado pela Constituição[1].

No mesmo sentido, Prof. Antonio Roque Carraza, também afirmou que, “se, porém, as notas fiscais foram inidôneas ou incompletas, nem assim o contribuinte pode ser prejudicado.

 Com efeito, não há por que impedir o contribuinte de desfrutar, por inteiro, do princípio da não-cumulatividade do ICMS se: 

a) as operações ou prestações ocorreram regularmente; 

b) os fornecedores, por ocasião da pratica dos negócios jurídicos pertinente, estavam inscritos no Cadastro Geral dos Contribuintes; 

c) as mercadorias foram fornecidas o os serviços prestados; 

d) os documentos emitidos apresentavam aparência de regularidade; e e) todos agiram de boa-fé.”[2]

Portanto, devidamente comprovada a operação comercial, sendo a declaração de inidoneidade do fornecedor posterior à relação comercial, pode o comerciante, assim comprovando sua boa-fé, se utilizar do crédito de ICMS destacado, conforme Sumula 509 do STJ

É lícito ao comerciante de boa-fé aproveitar os créditos de ICMS decorrentes de nota fiscal posteriormente declarada inidônea, quando demonstrada a veracidade da compra e venda.
(STJ, Súmula nº 509)

André Carneiro Sbrissa
OAB/SP 276.262
Advogado tributarista

[1] Curso de Direito Tributário, 4ª Ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p.38
[2]  CARRAZA, Roque Antoio. ICMS. 14ª edição. Malheiros. Pag. 618